2005-07-04

Palavras - XXX

POEMA DA VOLTA PELO BAIRRO

As palavras saíam-lhe da boca
altas e frondosas como as árvores,
e o vento que soprava levava as palavras consigo
e deixava-as cair nas terras férteis
onde se multiplicavam e cresciam.
Eram essas palavras sonorosas,
pesadas e sumarentas como as laranjas escolhidas,
e nelas se comparavam as virtudes às flores,
e o vício à lepra,
e a vida inteira ao caudaloso rio
que flui, estreito e efémero,
tropeçando nas pedras e nos limos.

Recolhi-me no quarto com as palavras fervendo nos ouvidos,
e aí me entretive a pesá-las,
uma a uma,
numa balançainha que lá tenho.
Pesei-as, e arrumei-as nas prateleiras.
Aqui, a boca; além, as árvores frondosas.
Deste lado, a virtude; do ouro, as flores.
Aqui o vício; mais além, a lepra.
Aqui, o rio efémero; além, a vida.
E como a noite estivesse realmente agradável
saí, e fui dar uma volta pelo bairro.

António Gedeão

Sem comentários: