2005-06-30

O Igor é um valente!

Hoje, de manhã, a avó Maria José preparou o seu neto para irem os dois ao café.
Saíram de casa e depois de fechar a porta a avó deu- se conta de que não tinha consigo a chave.
Tinha ficado dentro de casa.
Grande preocupação!
Forçou uma janela e tentou entrar. Mas as pernas já lhe pesam...
Resolveu que o melhor seria passar o neto pela janela e ele abriria a porta.
E assim fez!
O neto é o Igor. Tem 7 anos e anda no 1º ano de escolaridade.
- O meu filho entra e vai abrir a porta à avó!
Vai com cuidado, passa pela sala, pelo corredor e entra na cozinha. A avó vai estar aqui à sua espera.
E o Igor foi, demorou, mas abriu a porta!
Enquanto esperava do lado de fora, a avó Maria José, foi sempre falando com ele, orientando- o e encorajando- o.
E lá dentro ouvia o neto rindo de alegria!
Era uma missão muito importante e ele ia cumprir!
Ele ia mostrar à avó como é valente!
Afinal, a nós parece tão simples resolver isto, se ele até já tem 7 anos!...
E seria simples se o Igor, não tivesse grandes problemas motores.
Desloca- se em cadeira de rodas e em casa segura- se aos móveis para poder caminhar.
Compreende tudo o que se lhe diz mas só consegue pronunciar poucas palavras.
Mas hoje no café, enquanto a avó contava esta grande aventura, os olhos do Igor falavam mais do que mil bocas, brilhando tanto como mil sóis.
E agora digam lá se este não é o menino mais valente que conhecem?!!!
Mais valente e perfumado, digo-vos eu, que até lhe chamo o Bem Cheiroso!!!

2005-06-29

S......


RETRATO

Numa tela
enorme e branca
(mesmo no centro)
desenharei
aberta e vazia
a minha mão.

Só preto no branco.

E no canto
(inferior direito)
assinarei o meu nome:
Solidão

2005-06-28

O gato..

Por falta de inspiração, vou pedir emprestado à Maria Cândida de Mendonça, "O Gato de Ninguém":

O gato com tosse
não é de ninguém
porque se o fosse
a tosse era de alguém.

E se fosse de alguém
tomava xarope
e já não tinha tosse
o gato de ninguém.

Só o que não sei
é se o gato de ninguém
prefere ter tosse
a ser gato de alguém.

Lá vai ele!

Todos os dias pela tardinha, lá vai ele.
Tem entre 20 e 30 anos de idade.
Faz o seu cross pela marginal, correndo e... empurrando um carrinho de bebé.
E a criança, toda gaiteira, vira a cabeça dum lado para o outro, apreciando a paisagem que passa veloz.
Ó menino,(ou será menina?), já te deste conta da sorte que tens em ter tal PAI????
Afinal, tenhamos esperança!
Nem tudo está perdido!!

2005-06-26

O Peixinho...

Peixinho no mar
nadava apressado,
fugia do polvo
que estava zangado!

O polvo era grande
tinha um ar feroz,
peixinho gostava
era do caboz.

Caboz não ligava
aos amigos que tinha.
Só queria namorar
com a cabozinha!

A lula passou
levando a faneca,
o búzio na concha
dormia a soneca.

Peixinho pensava...
Com quem vou brincar?
- Queres ser minha amiga,
Estrelinha do Mar?

E agora nas ondas
é uma alegria,
o Peixe e a Estrela
brincam todo o dia!!!

2005-06-25

SOL DE PAPEL

O menino tem o sol
seguro por um cordel.
A atmosfera mole
cheira a pimentos e mel.

O menino tem o sol
seguro por um cordel.
Ou é um sol de papel?
Ou é um sol de papel?

A tarde é um rouxinol
que canta nos olhos dele.
O menino tem o sol
seguro por um cordel.

(Armindo Rodrigues)

2005-06-24

Declínio

O Sr. do 28 já não se desloca no seu andar desengonçado,apoiado pela esposa, mas sentado numa cadeira de rodas, excepto quando a insónia é sua companheira e se arraste pela casa, encostado aos objectos conhecidos, tateando, certificando-se de que as janelas e as portas estão bem cerradas, receando que que algum homem com encantos superiores aos seus se aproxime da sua boa esposa...

Que tristeza havia no rosto da Sr.ª quando me descreveu a tortura das noites, a dor das palavras desconfiadas e ofensivas da boca do seu marido, que jamais pronunciara algo semelhante ao longo de tantos anos!...

E uma flor única, imitação gigante de um nenúfar, no cimo de um tronco comprido e nu, ladeada de esparsas folhas, distinta, olhando para o céu no seu esplendor, parece esperá-los no jardim saudoso...

2005-06-23

Choro de Criança

É uma menina doce, bem comportada, de apenas quatro anos.
Saboreia frutos amargos da vida, oferecidos por um pai que parece um homem pela estatura, pregoeiro de sentimentos de amor por ela, que os seus comportamentos desmentem, em vez de o provarem...

Assassino de motivações, de alegria, de sonhos puros de criança, é mestre na arte de fazê-la chorar, bate-lhe sem motivo, usa-a como uma bola que atira como, quando e para onde lhe apetece, expõe-a a cenas em que ele desempenha o papel de um herói déspota, conta-lhe "estórias" de adultos inventadas e envenenadas, que ela não entende...

A criança chora baixinho e soluça, esconde o rosto de sorriso apagado, evita os adultos com quem se relaciona, treme quando conta, como hoje, que "o pai bateu na mamã ao pé da casa dele..."

Uf!...

Mas que dia lixado!
Vou comer cerejas!

2005-06-22

Reflexos - XLIV

FRENTE A FRENTE

Nada podeis contra o amor.
Contra a cor da folhagem,
Contra a carícia da folhagem,
Contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco.

Eugénio de Andrade

2005-06-21

Sabores à Portuguesa - XI

Gaspacho à Alentejana

O gaspacho ou caspacho é uma sopa fria, ideal para a época estival, muito apreciada no Alentejo e no Algrave (receita ligeiramente diferente na preparação).

Ingredientes

!/2 pepino médio, cortado aos quadrados pequeninos
3 dentes de alho
2 tomates sem peles nem sementes
1,5l de água fria
200g de pão duro cortado em fatias finas
1 pimento cortado em tiras fininhas
2 colheres de sopa de azeite
1/2 colher de sal
4 colheres de sopa de vinagre (ou a gosto)
Óregãos q.b.

Preparação

Esmagam-se os dentes de alho com o sal num almofariz, colocam-se numa terrina e juntam-se: o azeite, o vinagre e os orégãos.
Reduz-se um tomate a puré e adiciona-se ao preparado.
Põem-se na terrina:os quadradinhos de pepino, as tiras do pimento e o outro tomate cortado.
Rega-se com a água, coloca-se o pão cortado e serve-se.

Bom apetite!

Almoço

Restaurante "Guia" na Costa do Norte.
Há mais de um ano que lá não ia.
Gostei de revisitar o lugar!
E a feijoada de búzio estava óptima!
Mar ao fundo e um fresquinho carregado de maresia!
Sines tem lugares assim!!!!.....
Um bom lugar também para ler o meu Animal Farm.

2005-06-20

O trinfo dos porcos!

Emprestaram- me hoje este livro do George Orwell.
Vou começar a leitura mas não sei quantos minutos resistirei.
É que está na hora da sesta...e o dia está tão abafadiço....
Quem seria que inventou o BOCEEEJO???....

Pétalas de Bem-te-Quer - 17.ª

São pétalas do dia que desponta com pássaros adormecidos, percebendo-se, apenas, o piar de algum mais irrequieto e madrugador, saudações de galos distantes, compassadas, a que se sobrepõe a voz rouca do mar, ondulada no ar por uma brisa a que os cortinados fazem vénias coceguentas, indiferentes às nuvens cinzentas que escondem o tecto azul...

E ecoa a voz do poeta...

CONTIGO

Acordo na manhã de oiro
entre o teu rosto e o mar.

As mãos afagam a luz,
prolongam o dia breve.

Entre o teu rosto e o mar
ninguém deseja ser neve.

Ninguém deseja o veneno
da noite despovoada.

Acorda-me a tua voz,
nupcial, branca, delgada.

Eugénio de Andrade

2005-06-19

Quem foi o arquitecto


Quem foi o arquitecto
Que fez este Café
Tão longe da natureza
E tantos homens de pé?

Criado: põe esta gente na rua!
E abre um buraco no tecto
que eu quero ver a Lua.

(José Gomes Ferreira)

Arco-Íris - XXVII

Pronúncias Correctas


e

1. O e inicial átono, em posição absoluta, lê-se i.

Ex.: Ermida (irmida); enorme (inorme); Helena (Ilena).


2. O e inicial átono, em posição não absoluta, pode desaparecer.

Ex.: Pequeno ( pqueno); pelo (plo).


2.1 Excepções - o e átono é aberto:

beladona (bèladona)

cáspite (cáspitè)

cegada (cègada)

credor (crèdor)

enfezar (enfèzar)

esquecer (esquècer)

dispespia (dispèpsia)

freguês (frèguês)

freguesia (frèguesia)

inclusive (inclusivè)

Lúcifer (Lúcifèr)

vedor (vèdor)

velhada (vèlhada)

vexame (vèxame)

vexatório (vèxatório)


3. O e no fim da sílaba seguido de outra vogal lê-se i.

Ex.: Realidade (rialidade); preocupar (priocupar); seara (siara).

Linhas e Entrelinhas - IX

Excerto da carta de Eça a Mariano Pina - 08/04/1888

"(...) sem aquillo a que hoje se chama grammatica não há clareza de linguagem, e sem aquillo a que hoje se chama syntaxe não há coordenação de pensamento."

Santiago em Festa

Os Santos Populares merecem destaque na rua das Lojas alegremente engalanada, de tectos suspensos, artísticos na configuração e tons, ondulantes, alternados com filas de bandeirinhas de todas as cores, leves, dançantes, de assobios discretos, numa tarde quente.

As portas e as janelas adornadas com molduras verdejantes e floridas sorriem alegremente; as pernadas de palmeira, um pouco secas, mas hirtas, encostadas às paredes das casas, ostentando enormes flores de papel, parecem abrir alas; uma varanda completamente atapetada de tons farfalhudos como um vestido de baile de outros tempos, sobressai; sobre o toldo do talho, uma porca enorme, de pé, vestida a rigor, de blusa branca com bolas vermelhas e saia deste tom, salpicada de pompons brancos, ergue um arco com dois balões, donde pendem dois vasos de manjerico, que combinam com os demais, espalhados pela rua.

Um mastro com arcos vermelhos e azuis, quatro bandeias e biscoitos tentadores abanando-se,
está encostado ao passeio para facilitar o trânsito.

Na parede do n.º 9, a poesia está na rua, manuscrita cuidadosamente numa folha de papel:

Ao subir a calçada
Alegra-me a minha terra
Sinto a rua perfumada
Com rosas à minha espera.

Oh lindas costureirinhas
De olhos alegres, leais
Alegres como andorinhas
Entre alinhavos e linhas
E agulhas e dedais.

As costureirinhas da rua
Cantando alegremente
Fazem flores para a festa
Para agradar toda a gente.

No lado oposto da rua, no n.º 10, um outra quadra:

Esta casa que se empenha
Em deixar tudo contente
Há 15 anos a "desenhar"
Os sonhos de muita gente.

Lembrei-me de Manuel da Fonseca e dos relatos sobre a vida na sua terra.

A Câmara não se esqueceu de um Aviso acerca do condicionamento do trânsito em determinados dias e vias.

Parabéns, Santiago!


Fui até ao fim da rua. A festa acabava ali; à minha direita o n.º 50, identificava uma advogada, e os vidros do 52 e 54 escondiam com jornais um passado de botica de que me recordo, por isso, contornei o edifício e fiquei parada a olhar para o n.º 2, reencontrando um rosto de faces rosadas brilhando numa pele branca, uns olhos cintilantes, um sorriso traquina do progenitor de alguém muito especial e amigo do meu pai,... na porta seguinte, havia uma escada, lembro-me bem, mas não quis subi-la... e voltei para trás...

No final da rua, encontrei um discreto canteiro de várias papoilas de papel, malmequeres gigantes, espigas verdes e duas borboletas...

2005-06-18

O Gang!

Hoje, entrou um Gang (tipo arrastão...), no café que frequento.
Eram cerca de 10 jovens, todos de "etnia africana" (ainda por cima!).
Nós, os clientes (pessoas de BEM), olhámos desconfiados uns para os outros!
Houve até quem agarrasse, disfarçada mas nervosamente na mala e a apertasse contra o corpo.
Eu pensei: - Diabo, nem a bengala me vai servir de nada!!!...
O Gang, comeu, bebeu, pagou e saiu com um sorriso de quem sabe as preocupações que causou.
Cá me parece que se divertiram um pouco com tudo aquilo!!!
Saí depois deles e dei uma olhadela para o carro a que se dirigiam.
Era uma carrinha grande de 9 lugares, azul.
Abriram a porta traseira e começaram a trocar as roupas que tinha vestidas por outras mais usadas.
Bonés na cabeça e cada um pegou nas suas ARMAS : picaretas, enxadas, vassouras, carrinhos de mão, pedras, areia e não sei que mais!
Querem vê-los?
Estão ali, na rua da Restinguinha, cá no cimo, a calcetar um passeio que esteve recentemente em obras .
Nós, (as pessoas de BEM), podemos respirar de alívio, desencostar um pouca as malas do corpo e ir para a praia descansadas.
E ainda bem que hoje está nevoeiro, senão, o GANG fartava- se de trabalhar debaixo dum sol abrasador!!!
Mas não pensem com isto que não "acredito em bruxas"!
Ainda não foi hoje que as vi, mas..."lá que as há, há"! (Tenham elas a cor que tiverem...)

2005-06-17

O Bicho da Escrita

O Bicho da Escrita, é um dos contos do Rui Zink, no livro A PALAVRA MÁGICA.
Sempre achei este homem "demasiado engraçadinho" para o meu gosto, (coisa para a qual, ele se deve estar marimbando).
Mas cá por motivos, que agora não interessa explicar, resolvi comprar um livro.
E não é que gostei???!!!(Claro que ele se continuará a marimbar!)
Mas sempre digo: O homem é mesmo engraçado!
Apurado sentido de humor, grande "golpe de vista"para os quotidianos de todos nós, escrita fluente e fotográfica (esta inventei, ou não?). Quero eu dizer que que usa a caneta (ou seja lá o que for) como uma máquina fotográfica, escarrapachando os nossos retratos nas linhas e muito mais até nas entrelinhas.
Ainda não li o livro todo, mas só por este conto, já considero por bem empregue o dinheiro gasto, que deixou de ser despesa e passou a ser investimento.(Olhem só como eu administro bem a minha reforma!)
Leiam,que vale a pena!!!
(Estão-se marimbando para o meu conselho?
Pois não sabem o que perdem!!!)

2005-06-16

Dia da Criança Africana

UM CÉU SEM ANJOS DE ÁFRICA

À Guilhermina e ao Egídio

Detinha
a menina de cinco anos
tinha pai e tinha mãe
e tinha duas irmãs, Senhor!

Detinha
a menina de cinco anos
tinha uma filha de retalhos de chita
e fazia duas covinhas de ternura na face
quando sorria, Senhor!

Detinha
a menina de cinco anos
tinha uma filha de ágeis pernas de pano
olhos brilhantes de cabeças de alfinete
e fulvos cabelos de maçarocas maduras
que a febre derradeira da Detinha
não contaminou.

Olhos cerrados suavemente
boneca Detinha dos seus pais
adormeceu de tétano para sempre
mãozinhas postas sobre o peito
um vestido de renda branca
mais um anjo nosso partiu
no adeus silencioso de boneca
verdadeira num fúnebre berço branco
nossa Detinha tão pura na Munhuana
que até ainda não sabia que era mulata.

Oh! África!
Quantos anjos já nasceram das tuas Munhuanas de amor
e quantas Detinhas partiram para sempre dos teus braços
e quantos filhos inocentes deixaram o teu colo maternal
geraram rios e rios de lágrimas no teu rosto escravizado
e dormiram sem pesadelos na vasta solidão
de um coval mínimo de criança infelizmente
sem as duas covinhas na face
quando sorriam, Senhor!
(...)
José Craveirinha

Liberdade

LIBERDADE
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

(Sophia de Mello B.A.)

O homem da acácia!

Durante 8 dias ele dormiu ali!
No canto direito da praia de Sines, debaixo duma acácia florida.
Um barco (emborcado) servia-lhe de mesa, de sofá e talvez também de cama,( não sei).
Dois cães grandes, luzidios, limpos e bem alimentados, eram os seus companheiros. Passeava- se com eles pela vila (perdão,cidade)!
No último dia, o homem (estrangeiro),com cerca de 30 anos, desfez- se de todos os seus "bens" (um saco velho e roupas), veio arrumar tudo, cuidadosamente, junto do contentor do lixo e foi embora.
Partiu, caminhando livre e solto como o vento, acompanhado dos seus dois cães brancos!
Como bagagem apenas um pequeno e leve rolo às costa, (penso que seria a esteira onde se deitava).
Nunca tinha visto um "caminheiro" tão despojado de bagagem !
E eu, olho os meus tachos, caçarolas, cafeteira de bico, sofás, armários, carpetes, televisões, discos, livros e etc, etc, etc e penso:
- Santo Deus, a gente gosta dos nossos "amados bens" mas como eles nos limitam os voos!!!...
Na próxima reencarnação quero ser VENNNTO! (Se possível vento norte!)

2005-06-15

13 de Junho

Portugal empobrecido...

13 de Junho de 1231

Santo António - Fernando -, nasceu em Lisboa no final do séc. XII e faleceu em Pádua, Itália.
Foi o primeiro professor de teologia da Ordem dos Franciscanos e escreveu vários sermões.

É patrono secundário de Portugal e conhecido em todo o mundo como o santo milagreiro e casamenteiro.


13 de Junho de 1997

Al Berto despede-se do mar, do desejo, da noite, das imagens, da poesia.

" O dia de ontem foi vivido, e pensado, intensamente; quase como um poema.
(...)
É-me sempre difícil chegar a Sines. Aqui passei a minha infância; e aqui, muitas vezes, voltei à procura daquilo que sabia ter perdido para sempre.
Quantas vezes me traiu, e amou, esta vila? Quantas vezes, com amargura, fugi dela?
(...)
Olho fixamente o fogo enquanto o passado também arde em mim - como um clarão de luz sobre o mar. Sinto que há uma estranha eternidade naquilo que amámos e foi destruído.
Ao longe, as gaivotas em voo planado sulcam a salinidade aérea do mar. Encosto a cara ao vidro turvo da janela e deixo passar o tempo."

Al Berto (1991)


13 de Junho de 2005

Eugénio de Andrade acena aos frutos, às flores, às gaivotas, ao sorriso, às palavras, num colorido... "(...) É urgente o amor, é urgente permanecer."

"(...) a propósito desta terra onde nasci, pobre como quase toda a gente do lugar, mas rico desse contacto estreito com a natureza - o sol quente de junho, os frios de dezembro, o negro lustroso das azeitonas maduras. E por cima de tudo isto, a voz de minha Mãe, infiltrando-me no sangue aquele sortilégio da poesia que ela própria trazia consigo."

Eugénio de Andrade

Ouvi...

Palavras do Céu, que se chama Maria:

- " É tão bom viver, e a vida é tão bonita"!

Olá!!!

Tudo bem por aí???
Não tenho aparecido, mas não estão esquecidos!
Outros afazeres,visitas, dores nas cruzes.....
Voltarei.
Bjs

2005-06-14

Pétalas de Bem-te-Quer - 16.ª

As pétalas das palavras, do ser, do sentir, do sabor de Eugénio de Andrade enchem o universo, "ajudam alguns corações a suportar o peso do mundo"...

Digno servidor do Estado, meu colega de organismo, não na arte poética, lamentavelmente, doou...

" Durante mais de 30 anos dei, estupidamente, demasiado tempo e esforço ao organismo em que trabalhei - os Serviços Médico-Sociais. Mas é-me impossível fazer alguma coisa sem escrúpulo e seriedade e eu levei muito a sério esse meu trabalho. Comecei no lugar mais baixo, o de aspirante, ao fim de um ano era subinspector, acabei inspector-chefe. Escolhi esse emprego discreto para fugir ao fascismo - e porque nunca gostei de fazer escrita numa profissão ou servir-me da poesia como trampolim para subsecretário ou administardor".

" Uma das minha funções era instraurar processos disciplinares. Tinha e tenho a paixão da justiça, não posso deixar de me preocupar com os outros, e isso ainda me obrigava a ser mais rigoroso. FInalmente, tinha e tenho uma tendência para defender os que estão na mó debaixo, odeio a prepotência e a intolerância, o que tornava tudo mais difícil. Cheguei ao fim dessa minha actividade profissional(...) pobre como quando principiei a trabalhar: não tinha carro, não tinha casa, nem sequer uma árvore tenho que possa dizer minha: sou inocente, como vê."

"Deste modo, só quando me aposentei, há poucos anos, fiquei com mais tempo disponível para mim e, naturalmmete, para as minhas coisas, para a minha poesia."


AS AMORAS

O meu país sabe às amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
Reparo que ambém no meu país o céu é azul

Eugénio de Andrade
12-8-87

Palavras - XXX

" As palavras que eu amo são as do corpo, as da alma, as que aprendi com a minha mãe, essas palavras cheias do que nos é essencial, palavras redondas como frutos, que sabem a sol e a laranjas. Não digo perfume, digo aroma ou cheiro. Julgo que nunca serei capaz de escrever num poema, por exemplo, uma palavra como telefonia ou televisor."

" Numa palavra: escrevo poesia, como dizia qualquer católico, para salvar a alma."

Eugénio de Andrade

Papel Mata-Borrão - 16.º pingo de tinta

De Eugénio de Andrade...

"Estou cada vez mais fascinado pelas coisas simples, o quotidiano invade cada vez mais a minha poesia."

" A minha poesia confundiu-se sempre com a minha própria vida. Por isso digo que é uma poesia da experiência. Embora a sensualidade comece ao nível da palavra..."

" Eu sempre quis muito poucas coisas. Mas, o que quis, foi com muita intensidade: e, à frente de todas, a poesia."

" dentro de mim não há nada que tenha envelhecido, não dou pelos anos, continuo a a fascinar as pessoas e as pessoas continuam a fascinar-me. (...) E algumas vezes acordo com menos 10 ou 15 anos."

" O tempo não me chega para aquilo que gosto de fazer. Falta-me tempo para ler e responder a tanta carta."

" A poesia dá-me muito trabalho, um trabalho incessante. Sou capz de passar oito horas à roda de um poema e no dia seguinte deitá-lo para o lixo. Sou capaz de não dormir por causa de um verso. Levo-o ali para a cama, acordo e meio da noite, não cessa a procura da palavra ou de uma imagem certas, é uma luta corpo a corpo(...)."

" A poesia semprte foi em mim a paixão predominante(...) - antes, muito novo, tive outra, mas não estava ao meu alcance: a santidade - tudo o que fiz, tudo o que vivi, foi para chegar a um verso."

" Os meus maiores amigos desempenham o papel de anjos da guarda. Eu não lhes peço isso, naturalmente, mas desempenham-no: talvez sejam o pai e a mãe que já não tenho, o irmão que nunca tive."

Reflexos - XLII

TREVO

Um cavalo junto ao mar.
Crinas, vento, ondulação.
Que fábula irá rebentar?


CÉU DO POENTE

Há uma profusão furiosa de final.
Para morrer em triunfo a multidão é apta.
Irrompe entre carmins um ímpeto animal.
A maravilha invade e violenta nos rapta.


AQUELA NUVEM

- É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.

- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?

- Serve para te ver.
E passar, passar.


ANDANÇAS DE POETA

Pelo céu cor de violeta,
que lindo,
que lindo vai o poeta.

Pôs uma camisa branca
e sapatos amarelos
as calças agarradinhas
são da feira de Barcelos.

Pelo céu vai o poeta.
Sobe, sobe de bicicleta.

Eugénio de Andrade

Linhas e Entrelinhas - VIII

Caro leitor:

Escrevo-te pela primeira vez, pois não sou homem de cartas, conversas, encontros e coisas assim. Daí a dificuldade. Custa-me imaginar-te em corpo e figura, pois nunca pensei em ti - esta é a verdade. Se a brutalidade te ofendeu, perdoa-me ao menos a franqueza.

Naturalmente que há mais de quarenta anos que sei da tua existência, e tenho até sido sensível a alguns sinais teus. Para ser amado se escreve, tem sido já dito; eu limito-me a confirmá-lo. Mas, no meu caso, gostaria que as emoções, que os meus versos despertam ou inspiram, ficassem no âmbito do leitor. As minhas, quando as tive, são privadas; só a poesia é pública. Sou, como vês, um homem cujo único compromisso é com as palavras.

Agora que me pedem que me dirija a ti, interrogo-me: para quem escrevo eu? Sempre pensei que o fazia para muito poucos, mas o número, a avaliar pelas reedições e traduções, tem crescido muito.

Um poeta, creio que já o disse um dia, não escolhe os seus leitores; ao contário, é escolhido por eles, são eles a dar-lhe corpo e figura. Como poderia ser doutra maneira?

Afectuosamente,

Eugénio de Andrade
In JL, 1/6/87

2005-06-13

Verbo do Dia - "Geninho"

OS NOMES

Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava, branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir, meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Assim te queria. Eu, às vezes.


CRISTALIZAÇÕES

1.
Com palavras amo.

2.
Inclina-te como a rosa
só quando o vento passe.

3.
Despe-te
como o orvalho da manhã.

4.
Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito.

5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?


A MÚSICA

Álamos.
Música
de matutina cal.

Doces vogais
de sombra e água
num verão de fulvos
lentos animais.

Calhandra matinal
no ar
feliz de junho.

Acidulada
música de cardos.

Música de fogo
em redor dos lábios.

Desatada.
à roda da cintura.

Entre as pernas,
junta.

Música
das primeiras chuvas
sobre o feno.

Só aroma.
Abelha de água.

Regaço
onde o lume breve
duma romã brilha.

Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?


ÚLTIMA VARIAÇÃO

Deixei de ouvir o mar,
depois os frágeis dedos do frio,
depois a luz rasteira do linho.


DESPEDIDA

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.

Eugénio de Andrade

Rumor de despedida...

RUMOR

Acorda-me
um rumor de ave.
Talvez seja a tarde
a querer voar.

A levantar do chão
qualquer coisa que vive,
e é como um perdão
que não tive.

Talvez nada.
Ou só um olhar
que na tarde fechada
é ave.

Mas não pode voar.

(Eugénio de Andrade)

2005-06-12

Li Quiromancias e fui à gaveta...

E de novo vieste...
tinha
as mãos abertas
(sabia
que vinhas)

Não disseste
nada
ficaste a olhar

Os olhos
são bocas
que dizem
(sei lá...)

Que cantam
nos búzios
que dançam
no vento

(Tu gostas do vento)

E o vento
levou-te
p'ro mar...


2005-06-11

Pétalas de Bem-te-Quer - 15.ª

Fito o céu com olhos cintilantes de esperança, à espera de uma chuvada de pétalas de rosa branca - "...ao peito e tudo está bem" -, de botão-de-ouro, regando de alegria "a ocidental praia lusitana", de bocas-de-lobo multicoloridas, sussurrando desejos sorridentes e opltimistas no ser Português...

Revisito a História e a Cultura Portuguesas e detenho-me na imagem fatalista e dorida do povo português...

- A saudade, vocábulo português que não encontra tradução directa noutros idiomas, expressa um sentimento doloroso e nostálgico pelo passado que impede a vivência presente.

- O fado, canção nacional, melancólico e choroso, "fatal como o destino" sobre o qual não se tem controlo.

- A revolução cultural das " Conferências do Casino" em 1871, constituída por Antero, Eça, António Nobre, Manuel de Arrriaga e Teófilo Braga, entre outros, e a decadência de Portugal - "(...) acabaram por se impor como formando o retracto único e verdadeiro de Portugal, iniciando-se assim o calvário de um povo e de uma pátria(...) ", António Quadros.

Dizia, na época, o poeta Manuel Laranjeira:

"Às vezes, em horas de desânimo, chego a crer que esta tristeza negra nos sobe da alma aos olhos; e então tenho a impressão intolerável e louca de que em Portugal todos trazemos os olhos vestidos de luto por nós próprios.".

- A perspectiva de Miguel de Unamuno, grande amigo e conhecedor de Portugal, contemporâneo da geração dos "vencidos da vida", sobre:

* os portugueses: "constitucionalmente pessimistas; um povo triste, até quando sorri (...); gente feliz com lágrimas e orgulhosa do seu passado mas pouco confiante no futuro."

* Portugal: " (...) terra por fora risonha e branda e por dentro atormentada e trágica, terra de um povo de uma enorme tristeza e de uma resignação desesperada, para quem o sofrimento é uma forma superior de consciência, para quem o suicídio é uma paixão."

- A filosofia regeneradora da Renascença Portuguesa - Teixeira de Pascoaes, Pessoa, Leonardo Coimbra, Jaime Cortesão, Mário de Sá Carneiro, Almada Negreiros e Amadeu Cardoso -, após o Ultimato e a queda da monarquia, contribuiu para uma nova esperança nacional.

Escrevia Unamuno a Pascoaes:

"Vocês, os da Renascença, tomaram o melhor papel e o mais patriótico, ao assumir o de Maria e não o de Marta. Acaso estão preparando e formando os formadores de amanhã."

- Nova esperança com o pós-25 de Abril, mas a contínua reprodução das marcas pessimistas e a perseguição dos fantasmas, fruto de uma realidade dura e não madura, árida e não florescente, navegações e tormentas em águas aparentemente tranquilas, barcos à deriva sem amarras, nem portos seguros...

Um encolher de ombros? Um faz de conta? Um deixa andar? Um...?

" (...)
Feliz de nada ser,
De nada desejar,
E de nada sentir,
Agradecido ao mar de nunca me acordar,
E agradecido ao céu de sempre me cobrir."

Miguel Torga

ou um...

DESPERTAR

É um pássaro, é uma rosa,
é o mar que me acorda?
Pássaro ou rosa ou mar,
tudo é ardor, tudo é amor.
Acordar é ser rosa na rosa,
canto na ave, água no mar.

Eugénio de Andrade

Dudu!

Ó mas que grande surpresa
Ver o Dudu a escrever
É um menino aplicado
Com vontade de aprender!

Fez uma boa leitura
E escreveu algumas frases
Com tanto estudo vai ser
O "campeão" dos rapazes!

Cá vai...

Posso ter durante o ano
Rosas cravos açafrão
Mas manjericos verdinhos
Só no mês de S. João!

Ó moças que estais lavando
A cara em água de rosas
Usai antes manjericos
E ficareis mais cheirosas!

2005-06-10

Palavras - XXIX

PÁTRIA

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

- Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen

Verbo do Dia - Portugal

A Pátria que Camões, homem-deus de Vénus canta:

" Vereis amor da Pátria, não movido
De prémio vil, mas alto e quasi eterno,
Que não é prémio vil ser conhecido
Por um pregão do ninho meu paterno.
(...)"
(Canto I, estrofe 10)


O Poeta visto por Torga

Camões

Nem tenho versos, cedro desmedido
Da pequena floresta portuguesa!
Nem tenho versos, de tão comovido
Que fico a olhar de longe tal grandeza.

Quem te pode cantar, depois do Canto
Que deste à pátria, que to não merece?
O sol da inspiração que acendo e que levanto
Chega aos teus pés e como que arrefece.

Chamar-te génio é justo, mas é pouco.
Chamar-te herói, é dar-te um só poder.
Poeta dum império que era louco,
Foste louco a cantar e louco a combater.

Sirva, pois, de poema este respeito
Que te devo e professo,
Única nau do sonho insastifeito
Que não teve regresso!


Um "suspiro" delicioso do O´Neill

PORTUGAL

Ó Portugal,se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com o vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cagarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão amástico das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema da lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros de Golegã,
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para o meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-se o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém.
perdigueiro marrado e sem raízes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...

Reflexos - XLI

A Portuguesa

I
Heróis do mar, nobre povo,
Nação valente, imortal,
Levantai hoje de novo
O esplendor de Portugal !
Entre as brumas da memória,
Ó Pátria, sente-se a voz
Dos teus egrégios a voz
Que há-de guiar-te à vitória !

Às armas ! Às armas ! Sobre a terra, sobre o mar !
Às armas ! Às armas ! Pela Pátria lutar !
Contra os canhões marchar, marchar !

II

Desfralda a invicta Bandeira
À luz viva do teu Céu,
Brade a Europa à terra inteira:
“ Portugal não pereceu !”
Beija o solo teu, jucundo,
O Oceano a rugir de amor,
E o teu braço vencedor
Deu novos mundos ao Mundo !

Às armas ! Às armas ! Sobre a terra, sobre o mar !
Às armas ! Às armas ! Pela Pátria lutar !
Contra os canhões marchar, marchar !

III

Saudai o Sol que desponta
Sobre um ridente porvir;
Seja o eco duma afronta
O sinal de ressurgir!
Raios dessa aurora forte
São como beijos da mãe
Que nos guardam, nos sustêm
Contra as injúrias da sorte !

Às armas ! Às armas ! Sobre a terra, sobre o mar !
Às armas ! Às armas ! Pela Pátria lutar !
Contra os canhões marchar, marchar !

Macarrão...

Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas,
e debruçados na mesa todos contemplam
este romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra;
uma letra somente
para acabar o teu nome!

- Está sonhando? Olha que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar".

(Carlos Drumond de Andrade)

2005-06-09

Verbo do Dia - Girassol

Ouvi esta palavra - elogio -da boca de uma flor simples, de sorriso rasgado, que me abordou em busca do jardim das sardinheiras...

Que também ela, que sente a emotividade que os anos fazem crescer nos corações que ainda não endureceram, nem se fecharam ao mundo, se estenda voltada para o sol da vida com ondas de luz e de cor!

Papel Mata-Borrão - 15.º pingo de tinta

No silêncio da noite calma e morna, de árvores adormecidas e passos mudos, alguém esbracejava, certamente fazendo correr uma aragem que refrescava o seu interlocutor, de camisa riscada de traços garridos, que parecia, à distância, tratar-se de um bom ouvinte...

O orador dava passos atrás e à frente, traçava movimentos largos com o braço esquerdo, compunha uma peça de vestuário, que escorregava, sentava-se no parapeito da montra, ao lado do seu auditor, por escassos segundos, e lá estava de novo, numa agitação digna de um bom registo fotográfico, desenrolando o novelo do seu saber / pensar, deixando adivinhar aos outros transeuntes um tema quente e, quem sabe, alguma inadvertida saída de "gafanhoto" atrevido...

E lá continuou...

Com tamanho discurso - ou desabafo?!... -, talvez alguém tenha dormido bem...

Linhas e Entrelinhas -VII

A Mário Cesariny

(Sanatório da Quinta dos Vales) Covões - Coimbra
(1952)

Cesariny:

- Uma crise de "coeur" (obsceno não é?) não me deixou ser tão rápido quanto tu desejarias nem tão longo, agora, como seria para desejar. Comecemos pois:
(...)

- M.H.V.Silva, pintora portuguesa conhecida em todo o mundo salvo nos pólos e em Portugal, casada com o pintor húngaro Arpad Szenes e professora de pintura quer no Rio de Janeiro onde ele tinha uma escola quer em Paris onde lecciona pelos ateliers dos discípulos - bom pintor (tipo Alberto Caeiro sem metafísica e com metier...) - Vieira da Silva é uma águia imperial, tipo judia reinante sem excessos de lirismo falando pausado mas cantante (fala como se fosse soprano do Scalla de MIlão! Desde que se olha para ela entra-se num mundo tenebroso de corredores silenciosos e de atmosfera dramaticamente densa - é assim de resto a sua poesia (quadros) que não ri, quando muito grita: ela ri às dentadas: a cabeça dela é não bela mas orgulhosamente histérica.

- Notas finais: Mora no número 5 do Boulevard de St. Jacques num atelier espaçoso onde dormem e têm os seus livros (...) Trabalha muito, vê muitas exposições, está sempre ao par do que se passa e faz e não só no plano da pintura embora principalmente neste. Não se filia. Acha graça que os abstraccionistas a chamen abstraccionista e os surrealistas (?) surrealista. Não é uma "intelectual" no sentido em que exponha e defenda uma tese, antes Realiza. São a pintura e a poesia que lhe interessa realizar e põe-se fora de toda ou qualquer polémica que se desenvolve e corra fora do seu espírito. Vida interior profunda, densa, dramática. Absolutamente alheada da vida partidária, das zangas das comadres e respectivo cortejo de intrigazinhas.

- São ao correr da pena e após, logo após a crise de que te falei o que posso dizer-te da M. Helena Vieira da Silva.
(...)

Por hoje um abraço do
Sempre
António Maria Lisboa

Reflexos - XL

Para ti, amiga saudosa e inquieta pelo silêncio do meu pensar, ver, sentir, o POEMA DO COMEÇO de António Maria Lisboa:

Eu num camelo a atravessar o deserto
com um ombro franjado de túmulos numa mão muito
aberta

Eu num barco a remos a atravessar a janela
da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de
escamas

Eu na praia e um vento de agulhas
com um Cavalo-Triângulo enterrado na areia

Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
-trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de
musgo

Kanuthya e as papoilas...

(Florbela Espanca e as papoilas)

Meio-dia:O sol a prumo cai ardente
Doirando tudo. Ondeiam nos trigais
Doiro fulvo, de leve...docemente...
As papoilas sangrentas, sensuais...
........
(Cesário Verde e as papoulas)

...Mas, todo púrpuro, a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!

Para um amigo...

EMPREGADINHO
DE BALCÃO

Lá passo levando os livros;
-Bom dia, minha menina!
Vou a caminho da Escola,
Tu abres a loja da esquina.

Corres os taipais pela tarde,
Que a cidade já está morta:
O teu olhar é mais doce
Ao fechar a tua porta.

Lustroso de brilhantina,
Meu trovador sem janela,
Lá ficas o dia inteiro
à espera de clientela.

Lá passo trazendo os livros:
-Boa tarde, minha flor!
E nem ao menos te digo
- Boa tarde , Trovador!

(Matilde Rosa Araújo)

PARABÉNS!!!!

Tenho uma afilhada
Chamada Carol
Olhinhos brilhantes
Que nem um farol!

É boa Menina
Um pouco teimosa...
Nariz batatinha
Cheirinho de rosa.

Com muita alegria
Lá vai para a escola
Levando sorrisos
Dentro da sacola!

Parabéns a você!
Lá diz a cantiga:
Muitas felicidades
Muitos anos de vida!!!!

(Muitos beijinhos da sua madrinha Carolina)

2005-06-07

Ir e voltar...

CANÇÃO DO EXÍLIO

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrêlas,
Nossas várzeas têm mais flôres,
Nossos bosques têm mais vida
Nossa vida mais amôres.

Em cismar sòzinho à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar-sòzinho, à noite-
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Não permita Deus que eu morra
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores

Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras
Onde canta o sabiá.

(Gonçalves Dias -Brasil)


2005-06-06

Pétalas de Bem-te-Quer - 14.ª

São muitas, variadas, coloridas, de perfumes aveludados, as pétalas que deito sobre a tua memória, os teus e nossos sonhos - que te acompanhasse no curso de regente agrícola e eu insistindo que queria ser professora; o projecto de irmos trabalhar para África, substituído, com o decorrer do tempo, por uma viagem não concretizada... -, a família que não constituíste, a vida que não foi tua e que ofereceste amorosamente à tua mãe, enferma durante longos anos, a saudade e necessidade dos teus pais para cuidarem em ti na doença, as lágrimas que já não precisas que te enxugue, a esperança cujo empréstimo dispensas, a despedida neste dia do teu aniversário, minha querida prima!

Deixo a tua mão, MIcá, no corredor que agora nos separa, de olhos baços, com uma carícia que o céu reflectirá sob a forma de uma estrela...

UUFFF!!!

O melhor da ida...é a volta!!!

2005-06-05

Reflexos - XXXIX

No dia Mundial do Ambiente, uma Reflexão de MIguel Torga - ou um Sonho? Um Desejo? Um Canto? Um olhar inocente, simplesmente!

Sim, olhar a paisagem...
Olhá-la como um bicho
Ou como um lago.
Olhá-la neste vago
Sentimento
De pasmo e transparência.
Olhá-la na decência
Original,
Com olhos de inocência
E de cristal

2005-06-04

Porque hoje é domingo...

Salvaste
o meu domingo

Trouxeste
um cheiro a mar
e desenhaste gaivotas
no espaço morno
do café

(Que bom
que alguém leia
Pablo Neruda
numa mesa
ao lado)

Encheste-me
os olhos de maresia

Reparaste?...

A vossa sorte foi,eu não ter internet de manhã...

Ó que cheiroso menino
Ó que bem que você dança
Dou-lhe este manjerico
-Posso ficar com esperança?

Tu estás tão arreliado
Por eu com outro falar
Toma lá um manjerico
Para a birra te passar!

2005-06-03

Ó Amigos, desculpem lá!...

Isto não é "veia". Eu também tenho um caderninho já velhote.
E nesse caderninho estão cerca de, (calma, nada de badagaios), cerca de 200 quadras com o famigerado tema.
E o pior é que eu me propus, durante o mês de Junho, escrever aqui TODOS OS DIAS (!!!!), quadras a falar no jeitoso do manjerico.
O mais que posso fazer por vocês é, em vez de escrever duas, escrever só uma...
Que tal???
Também não precisam lê- la! Finjam que não está lá!
E também, se eu não falar no MANJERICO, falarei de QUÊ???
Com o calor a inspiração "dá de si".
Mas...não serei radical!
Se alguém lhe der "ânsias" ou entrar em "depressão manjerical", ao menor sinal de perigo, darei o dito por não dito!
Já sabem ... sou Balança!

Manjericos!

Não custa assim muito caro
Um manjerico verdinho
Ó minha linda menina
Compre lá este vasinho!

E não se vá já embora
Sem levar um manjerico
Você não fica mais pobre
E eu não fico mais rico.

Palavras - XXVIII

CANÇÂO

Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava.
Não é nada, meu amor, foi um pássaro,
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.

Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou,
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.

Eugénio de Andrade

2005-06-02

O salmonete!

(Ontem)
Fui almoçar no Zé Becinho.
Sentei-me na esplanada e pedi um salmonete.
Ao lado havia uma mesa com 10 ou 12 homens; três deles (pelo menos) eram italianos.
Reparei logo num desses jovens italianos, pela "alarvice" com que comia.
Pediu salada de polvo, depois de búzio, a seguir sardinhas e por fim sargo ou choupa (não distingui).
Algumas das iguarias ele não conseguiu terminar.Pudera!!!
Até a maneira como bebia o copo de água metia nojo.
Entornava o copo pela goela, deixando escorrer o líquido, ao mesmo tempo, pelos queixos abaixo.
Depois de encher a pança (que é o nome que se dá ao estômago dos ruminantes), levantou a blusa e exibiu a barriga esfregando-a.
Entrou no restaurante.
Voltou, palitando (de forma asquerosa) os dentes e bebendo uma cocacola gelada!
Sentou-se um pouco já fora da mesa, puxando uma cadeira para a sua frente e nela esticou as patas.
Antes que as "ânsias" me fizessem vomitar o salmonete, paguei e fui embora.
Percebi depois que a antipatia foi recíproca!!!
Fiz inversão de marcha e...ao passar frente à mesa deles, "a besta" rosnou qualquer coisa jocosa na minha direcção.
Parei, abri o vidro e gritei (voz de peixeira,com o devido respeito):
-MEEERDA, capisci????
E raspei-me dali para fora antes que ele me acertasse com a cocacola.
E podia terminar por aqui, mas devo confessar que......
(É pena que não se tenha passado tudo como escrevi.
Mas foi por causa do salmonete que eu tive de inventar um pouco.
É que só assim, com este final adequado, é que o bom do peixe se acalmou ,instalando-se prazeiroso, no meu estômago!)

Kanuthya

E por culpa sua, fui à estante, prateleira da Poesia, ordem alfabética:
"ANTOLOGIA DE POESIA PORTUGUESA ERÓTICA E SATÍRICA"
(Selecção, prefácio e notas de Natália Correia).

E lá, diz José Gomes Ferreira:

(Finjo que não vejo as mulheres que passam, mas vejo)

De súbito, o diabinho que me dançava nos olhos,
mal viu a menina atravessar a rua,
soltou num ímpeto de besouro
e despiu-a toda...

E a Que-Sempre-Tanto-Se-Recata
ficou nua,
sonambulamente nua,
com um seio de ouro
e outro de prata.

Manjericos!

Encontrei um manjerico
Entre as flores do jardim
Não o vendo nem ofereço
Vou guardá-lo para mim

Não queiras à tua porta
Quem te leve mexericos
Pede antes que te levem
Vasinhos de manjericos

(Os meus agradecimentos aos que ontem colaboraram.)

2005-06-01

Dia Internacional da Criança

Um sorriso de criança espreita à janela, doce, esvoaçante e leva-nos com ela até ao mundo
mágico da fantasia...

Foi um sonho que eu tive:
Era uma grande estrela de papel,
Um cordel
E um menino de bibe.

O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão;
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão.

Mas tão alto subiu
Que deixou de ser estrela de papel.
E o menino, ao vê-la assim, sorriu
E cortou-lhe o cordel.

Miguel Torga


Uma lágrima num rosto infante, faminto e sujo, de olhos tristes, espera a piedade de uma rajada de vento para secá-la...

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de meninas e meninos
a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos
nos livros, nos jornais, no cinema e na televisão
retratos de cadaveres de meninos e meninas
que morreram a defender a liberdade de armas na mão.

Todos já vimos!
E então?

Fernando Sylvan


Um truz, truz suave floresce num ventre de mulher...

Em abril as crianças cantam
com a chuva.
Trepam aos ramos matinais
das cerejeiras
e cantam à espera do sol.
Quando o sol demora
entram a cantar pelos olhos de deus.
À noite cintilam.

Eugénio de Andrade

Um abraço para todas as crianças, principalmente para aquelas que nunca as deixaram ser!...

Praia.

Inaugurei a minha época balnear na varanda.
Em pelote???(Como dizem as más línguas?)
NÃO, CREDO!!!...
Mas não aguentei o "esturrico" mais do que meia- hora.
Saí de lá a fumegar!
E espero, (com este escrito), não arranjar lenha para queimar, ainda mais, a já minha tão precária reputação.

E porque o Junho chegou, vou inventar cheiros!

Cheira a rua a manjerico
Cantam grilos nas gaiolas
Pus um balão na varanda
E mais de dez bandeirolas

Na noite de S. João
Vou dançar num bailarico
Numa mão levo o meu par
E na outra um manjerico

(Numa recolha feita na Escola, juntei uma colecção de mais de 200 quadras inéditas.
Não querem colaborar?
Vamos lá, aumentar a colecção!
Inventem e mandem!
A regra é : A palavra manjerico tem que aparecer em todas as quadras.
"Bora lá"!!! Deixem- se de preguiças!...Fico aguardando!
E mesmo que cheguem de "pé quebrado", eu tentarei pôr umas "talas".)