2005-10-07

Linhas e Entrelinhas - XXI

Carta dirigida a José Régio

" Queridíssimo camarada:

Acabo de ler, por inteiro, e num só hausto feliz, o seu livro
"Biografia", há meia hora recebido.
É um livro admirável, porém a sua leitura, para em seu effeito
ser mais admirável, faz-me saudades. Faz-me saudades do meu maior
amigo, do único grande amigo que tive - o Mário de Sá Carneiro, a quem
a leitura dos seus sonetos enthusiasmaria como uma boa nova. Sonhei
sem querer - em um d´aquelles sonhos retrospectivos e erroneos - que
estivesssemos lendo junctos os seus sonetos, e reconheço a voz d´ elle
e a minha no consenso enthusiástico da apreciação.
Explico. Há uma íntima analogia entre o seu modo se sentir e o modo de
sentir que distinguia o Sá-Carneiro. O modo de sentir e o modo de sentir é
que é differente, como convém a dois que são dois, e não commumente o
terceiro que não é ninguém.
- Estes semi-dizeres não chegam a ser palavras; são contudo a expressão
immediata, spontanea e inteira com que, orgulhando-se mysteriosamente
de V., o abraça e amigo e muito admirador

Fernando Pessoa

17.1.1930 "

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