
Quase todos os dias "uma menina carteira", toma o pequeno almoço no cafezinho da minha rua. Entra, senta-se e degusta com toda a calma o seu "matabicho". A malinha do correio fica "estacionada" na rua à porta do estabelecimento. Parece-me não haver problema. Todos passam e não ligam. Cartas? Para quê? Ninguém, penso eu, se lembrou de "roubar" nada daquela malinha. E isso traria certamente problemas "ao roubado" e à Menina (uma simpatia, por sinal) que calma e descuidadamente come na mesinha do café.
Naquele tempo, não era assim.
O carteiro apertava cuidadosamente a sua mala de tiracolo, não fosse perder-se algum envelope.
Ele era esperado ansiosamente. Quem sabe, ele não traria a tão esperada carta do marido, filho, ou namorado?...
Naquele tempo (lá muito para trás...), a Élia, minha colega no colégio, arranjara um namorico, às escondidas dos pais. Por isso as cartas vinham para a minha casa.
E então tínhamos "um combinado". Todos os dias, à mesma hora, ela assomava na sua janela e eu subia ao meu terraço. Se havia carta para ela eu acenava com um grande lenço branco e ela vinha.
A leitura das cartas também é digna de relato.
Ela lia "as linhas" e pedia-me que lesse nas "entrelinhas"... E aí, eu punha a minha "fértil imaginação" a trabalhar e a Élia ia ficando cada vez mais apaixonada, não tanto por aquilo que ELE escrevia mas, muito mais por aquilo que eu ia inventando ,"esclarecendo-a" que, se não estava lá escrito é porque ele não teria tido coragem de dizer, ou então não teria tido capacidade de se exprimir...
Grande "lata"!...
...
( Não vejo a Élia faz muitos anos. Sei que mora em Setúbal. Hoje ao ver a "menina carteira" tomando o seu pequeno almoço lembrei-me desta história de juventude e maluqueira saudável!
Refiro ainda que as nossas casas eram muito distantes uma da outra, mas ela lá de longe avistava o meu lenço a acenar com sinais de "boas novas"!
NAQUELE TEMPO, o Carteiro era uma pessoa muito esperada.
Agora... quem quer saber dele?
Os telefones, telemóveis e e-mails, fazem dele (podem acreditar) um ser em vias de extinção...)