2005-06-14

Linhas e Entrelinhas - VIII

Caro leitor:

Escrevo-te pela primeira vez, pois não sou homem de cartas, conversas, encontros e coisas assim. Daí a dificuldade. Custa-me imaginar-te em corpo e figura, pois nunca pensei em ti - esta é a verdade. Se a brutalidade te ofendeu, perdoa-me ao menos a franqueza.

Naturalmente que há mais de quarenta anos que sei da tua existência, e tenho até sido sensível a alguns sinais teus. Para ser amado se escreve, tem sido já dito; eu limito-me a confirmá-lo. Mas, no meu caso, gostaria que as emoções, que os meus versos despertam ou inspiram, ficassem no âmbito do leitor. As minhas, quando as tive, são privadas; só a poesia é pública. Sou, como vês, um homem cujo único compromisso é com as palavras.

Agora que me pedem que me dirija a ti, interrogo-me: para quem escrevo eu? Sempre pensei que o fazia para muito poucos, mas o número, a avaliar pelas reedições e traduções, tem crescido muito.

Um poeta, creio que já o disse um dia, não escolhe os seus leitores; ao contário, é escolhido por eles, são eles a dar-lhe corpo e figura. Como poderia ser doutra maneira?

Afectuosamente,

Eugénio de Andrade
In JL, 1/6/87

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