2005-06-13

Verbo do Dia - "Geninho"

OS NOMES

Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava, branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir, meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Assim te queria. Eu, às vezes.


CRISTALIZAÇÕES

1.
Com palavras amo.

2.
Inclina-te como a rosa
só quando o vento passe.

3.
Despe-te
como o orvalho da manhã.

4.
Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito.

5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?


A MÚSICA

Álamos.
Música
de matutina cal.

Doces vogais
de sombra e água
num verão de fulvos
lentos animais.

Calhandra matinal
no ar
feliz de junho.

Acidulada
música de cardos.

Música de fogo
em redor dos lábios.

Desatada.
à roda da cintura.

Entre as pernas,
junta.

Música
das primeiras chuvas
sobre o feno.

Só aroma.
Abelha de água.

Regaço
onde o lume breve
duma romã brilha.

Música, levai-me:

Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?


ÚLTIMA VARIAÇÃO

Deixei de ouvir o mar,
depois os frágeis dedos do frio,
depois a luz rasteira do linho.


DESPEDIDA

Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.

Eugénio de Andrade

Sem comentários: