OS NOMES
Tua mãe dava-te nomes pequenos, como se a maré os trouxesse com os caramujos. Ela queria chamar-te afluente-de-junho, púrpura-onde-a-noite-se-lava, branca-vertente-do-trigo, tudo isto apenas numa sílaba. Só ela sabia como se arranjava para o conseguir, meu-baiozinho-de-prata-para-pôr-ao-peito. Assim te queria. Eu, às vezes.
CRISTALIZAÇÕES
1.
Com palavras amo.
2.
Inclina-te como a rosa
só quando o vento passe.
3.
Despe-te
como o orvalho da manhã.
4.
Ama
como o rio sobe os últimos degraus
ao encontro do seu leito.
5.
Como podemos florir
ao peso de tanta luz?
A MÚSICA
Álamos.
Música
de matutina cal.
Doces vogais
de sombra e água
num verão de fulvos
lentos animais.
Calhandra matinal
no ar
feliz de junho.
Acidulada
música de cardos.
Música de fogo
em redor dos lábios.
Desatada.
à roda da cintura.
Entre as pernas,
junta.
Música
das primeiras chuvas
sobre o feno.
Só aroma.
Abelha de água.
Regaço
onde o lume breve
duma romã brilha.
Música, levai-me:
Onde estão as barcas?
Onde são as ilhas?
ÚLTIMA VARIAÇÃO
Deixei de ouvir o mar,
depois os frágeis dedos do frio,
depois a luz rasteira do linho.
DESPEDIDA
Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.
Eugénio de Andrade
2005-06-13
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